Impulsionando a inovação por meio da gestão do conhecimento [parte 1]

Por Beto do Valle

É quase unânime concordar que inovação é importante para empresas e organizações. Saber como inovar é uma competência um pouco menos abundante, mas não faltam livros, artigos, posts e gurus com abordagens consistentes ou fórmulas mágicas sobre métodos de criatividade e gestão da inovação. No entanto, a grande maioria deles comete o mesmo erro que as toneladas de textos e abordagens sobre gestão de negócios ou estratégia: negligenciam o papel do conhecimento, um dos ativos mais críticos no processo de inovação.

Por que vale a pena combinar a gestão da inovação com a gestão do conhecimento? Como gerar valor com essa combinação? O “por que” será o assunto deste post [parte 1], e discutiremos o “como” nos próximos [parte 2 e parte 3].

Dois lados da mesma moeda

Para começar é importante entender que conhecimento e inovação são indissociáveis. A atividade humana é uma contínua interação entre conhecimento e imaginação, mediada pela descoberta e pela experimentação. A evolução da humanidade é uma sequência de ideias (geradas pela combinação de conhecimento e imaginação) que são colocadas em prática (por meio de descoberta, experimentação e aprendizado) e que geram resultados, realimentando o ciclo (os efeitos das transformações colocadas em prática geram novos aprendizados, descobertas e ideias, e assim por diante).

Gestão do conhecimento (GC) e inovação nunca deviam ser separados [conforme escrevi neste post, pág. 35]. Podem ser vistos como um contínuo, em que o passado é conhecido e o futuro é imaginado e criado, tornando-se conhecido à medida que se concretiza. Tudo que nos rodeia e hoje é parte do nosso conhecimento já foi um dia imaginação ou inovação.

Se o conhecimento está na essência da inovação, a qualidade do conhecimento influencia a qualidade da inovação, positiva ou negativamente. Conhecimento qualificado não é suficiente por si só para gerar inovação relevante, mas é indispensável. Você não vai querer embasar seus projetos – e investimentos – em inovação com conhecimento obsoleto, incompleto ou de má qualidade, vai?

Fundamental ou essencial?

Uma leitura superficial dessas constatações pode levar ao entendimento de que o conhecimento atua como suporte para a gestão da inovação. Pode parecer lógico, pois toda atividade humana requer a aplicação de algum grau de conhecimento. A atuação em inovação não poderia ser diferente, certo? Sim, mas perigosamente incompleto.

O conhecimento não é apenas uma fonte de competências para os profissionais da empresa que inova, é a própria matéria-prima do processo de inovação. Ele não desempenha um papel apenas de suporte à inovação, mas sim participa do processo.

Tomemos como exemplo simplificado o desenvolvimento de um novo produto qualquer. Ao longo do projeto a empresa busca responder a perguntas como:

  • Quais as necessidades e desejos desse segmento de mercado?
  • Qual a solução criativa que melhor atende a essa demanda e nos diferencia da concorrência?
  • Qual a solução técnica mais efetiva para esse produto ou funcionalidade?
  • Qual a forma mais interessante de levar esse produto ao mercado?

Obviamente muitas outras perguntas, bem mais específicas, são feitas ao longo do projeto. Mas este exemplo simplificado é suficiente para constatar que se trata basicamente de um processo de formular perguntas inteligentes e buscar os conhecimentos e as ideias capazes de fornecer respostas consistentes – um processo em que o conhecimento é a matéria-prima de trabalho.

Quando o conhecimento disponível não é suficiente, seja para superar um desafio técnico, seja para garantir a diferenciação desejada, entra em cena a capacidade criativa da organização, que se apoia em todo o conhecimento construído para imaginar e propor novas respostas. Estas por sua vez voltam a exigir novos conhecimentos, para viabilizar ou validar as hipóteses e ideias propostas, gerando novos aprendizados e novas perguntas, até que tenhamos o ciclo de inovação concluído. As abordagens de inovação mais adotadas, desde stage gates [veja neste artigo de Robert Cooper] até design thinking [como neste artigo de Tim Brown, ou neste guia de Stanford] baseiam-se em ciclos de divergência e convergência fortemente calcados na combinação de ideação e aprendizagem, criatividade e conhecimento.

Assim, podemos dizer que o processo de inovação é essencialmente um processo de gestão do conhecimento orientado para a criação de novas soluções, produtos, serviços, processos, negócios. Daí decorre também que as práticas de GC orientadas ao negócio corrente não são exatamente as mesmas a serem orientadas à inovação. Ambas devem ser praticadas de forma integrada nas organizações, mas é preciso ter claro que a criação de novos conhecimentos na dinâmica de inovação exige esforços específicos, da mesma forma que a criação de novos produtos e serviços em relação ao “pão quente” e às “vacas leiteiras” da empresa.

Dispor de conhecimentos não é o mesmo que gerenciar conhecimentos

Identificar oportunidades, gerar ideias criativas, desenvolver soluções inovadoras e levá-las ao mercado: muitas organizações fazem isso na prática, o que é sinal de que o conhecimento está sendo utilizado. Mas isso não significa que o conhecimento esteja sendo gerenciado de forma consciente e deliberada, e muito menos que esteja sendo aproveitado em seu pleno potencial. A economia do século 21 tem mostrado que a geração de valor é cada vez mais impulsionada por ativos intangíveis, e particularmente pela capacidade de usar conhecimentos para geração de resultados [leia mais neste post]. O conhecimento é um dos ativos mais críticos para a geração de valor, e as práticas de inovação devem estar na vanguarda da transformação de conhecimentos em resultados para o negócio.

Se num ciclo de inovação as pessoas aprendem, capturam conhecimento valioso e o aplicam nos processos da empresa, isso é ótimo e gera valor. Mas se esses conhecimentos se limitam à dimensão individual e não são incorporados e sistematizados pela organização – seja na forma de conhecimento técnico, conceitual ou mercadológico estruturado, seja na forma de estratégias, processos e práticas sistematizadas – eles não estão sendo realmente gerenciados pela organização, e se encontram limitados ao estado tácito. O conhecimento tácito também é objeto da GC, mas em geral se o conhecimento explícito não está sendo gerenciado é sinal de que o conhecimento tácito também não está.

Guardadas as proporções, negligenciar a gestão do conhecimento em uma economia que valoriza a inovação equivale a uma empresa que investe no lançamento de um produto, mas deixa que o fluxo financeiro seja inteiramente gerenciado pelos funcionários, de forma descentralizada e não estruturada. Nessa situação hipotética, ainda que todos sejam 100% honestos e usem os recursos para o bem da organização segundo seu melhor juízo, esses recursos estarão sendo gerenciados pelos critérios e “técnicas” pessoais, e não organizacionais; estarão seguindo o entendimento de cada pessoa, e não uma estratégia definida; estarão sendo gerenciados de forma fragmentada e desarticulada, e não de forma estruturada por um processo inteligente capaz de obter a maior efetividade; e ainda por cima parte desse recurso deixará a organização com a saída das pessoas.

A comparação do fluxo financeiro com o fluxo de conhecimentos é apenas alegórica, pois há muitas diferenças entre a gestão dos tangíveis (concretos, estocáveis e finitos) e de intangíveis como o conhecimento (abstratos, fluidos, tácitos e não escassos). Mas permite evidenciar o paradoxo que representa a falta da gestão consciente de um ativo tão crítico para os negócios, e particularmente para a inovação.

Gestão da inovação + gestão do conhecimento = contribuições de curto e longo prazos

Constatar que o conhecimento é matéria-prima fundamental para a inovação já indica a importância de gerenciar mais efetivamente os conhecimentos envolvidos nos processos de inovação. Mas é possível identificar benefícios específicos que mostram, de forma muito clara, que a contribuição da gestão do conhecimento (GC) para a inovação pode ser muito maior do que o que enxergamos à primeira vista.

De maneira genérica, podemos dizer que há oportunidades de aplicação da GC ao longo de todo o ciclo de inovação, oferecendo um conjunto de contribuições com grande impacto no negócio e forte relevância para toda e qualquer organização.

GC + GI

(Clique na imagem para ampliar)

 

Principais contribuições da gestão do conhecimento para o processo de inovação:

  • Subsidiar o entendimento de contexto, cenários alternativos e tendências mercadológicas e tecnológicas para identificação de oportunidades existentes ou emergentes de forma estruturada.
  • Alimentar e conferir maior qualidade à geração de ideias.
  • Alimentar a dinâmica de perguntas e respostas (técnicas e mercadológicas) ao longo do ciclo de inovação.
  • Promover intercâmbios e construção de conhecimentos em conjunto com outros atores.
  • Contribuir na inteligência de gestão do portfólio de projetos de inovação.
  • Prover conhecimentos qualificados PARA cada projeto ou iniciativa inovadora.
  • Promover a aprendizagem organizacional EM cada projeto ou iniciativa inovadora.
  • Promover a aprendizagem organizacional e o intercâmbio de práticas ENTRE os projetos ou iniciativas inovadoras.
  • Gerar produtos de conhecimento ao longo de todo o ciclo de inovação, com potencial aplicação e geração de valor em novos projetos.
  • Incorporar aprendizados ao longo do tempo e promover o aprimoramento e evolução do próprio processo de gestão de inovação.
  • Proporcionar insights e aprendizados para a evolução da própria estratégia e do modelo de negócio.

Todas essas contribuições podem ser desdobradas em mais benefícios à medida que orientadas para realidades e negócios específicos. Vamos explorar cada uma delas mais detalhadamente em um novo post.

O mais importante é que, ainda que cada um desses benefícios possa eventualmente ser gerado de forma isolada, e mesmo não muito estruturada, o potencial de geração de valor decorrente de uma abordagem de GC estruturada e articulada em seu conjunto é imensamente maior. Seus efeitos se retroalimentam de forma exponencial, a ponto de contribuir para processos além da inovação e para o negócio como um todo.

[Clique aqui para ler a >>parte 2 deste post, e aqui para ler a >>parte 3.]

 

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