Inteligência Estratégica: tomando decisões mais efetivas

Por Beto do Valle

Todos os dias gestores tomam decisões sobre os mais variados temas, influenciando uma ampla gama de resultados da organização no curto e longo prazo. Acontece que muito frequentemente essas decisões são tomadas com base em informações insuficientes, desatualizadas, limitadas ou enviesadas. E se contássemos com informações e conhecimentos mais qualificados para embasar cada tipo de decisão? E se o próprio processo de tomada de decisão fosse estruturado para maior efetividade? 

A chamada Inteligência Estratégica existe justamente para embasar os processos decisórios, de forma a garantir decisões mais inteligentes – e mais efetivas. Pode estar orientada predominantemente ao monitoramento de concorrentes (inteligência competitiva), de dados e movimentos de mercado (inteligência de mercado), de tendências tecnológicas (inteligência tecnológica) ou mesmo de informações do próprio negócio (inteligência de negócios, ou “business intelligence”). Trata-se de uma capacidade organizacional com imenso potencial de geração de resultados se for estruturada (perdão pela redundância) de forma inteligente.

Nota: Este artigo não trata de Inteligência Artificial, mas sim sobre os processos e práticas que alimentam a tomada de decisão com informação e conhecimento qualificados – processos que podem aplicar tecnologias de IA, mas não se resumem a ela.

Tomada de decisão: o foco da inteligência

A ação de “decidir” é uma das mais complexas e ao mesmo tempo uma das mais importantes em qualquer organização. Acontece em todos os níveis hierárquicos e em todos os processos e atividades da organização, e determina seus rumos e seus resultados.  

Ainda que possa acontecer de forma mais ou menos diluída em meio a nossas atividades, a decisão é a escolha de um caminho para agir.⁽¹⁾ Escolha que seleciona uma rota de ação e, conscientemente ou não, descarta várias outras possíveis. Escolha que pode ter consequências limitadas e de curto prazo, ou pode ter impacto amplo, em todos os processos da organização, e por longo tempo. Escolha que leva a várias outras escolhas, todas elas com consequências diretas e indiretas. 

Todos os dias gestores tomam dezenas de decisões
com base em informações limitadas, ou distorcidas
por problemas de interpretação.

Tudo o que fazemos e todos os resultados que obtemos são decorrência de decisões anteriores, e tudo o que vem pela frente resulta das decisões que tomamos agora. Diante disso, a tomada de decisão merece atenção e método. Mas nem sempre é isso que vemos em nossas organizações.

Os desafios da decisão no contexto organizacional

Decisões estratégicas de qualquer negócio envolvem grande número de variáveis com alto grau de incerteza. Exigem conhecimento amplo do mercado e específico do setor de atuação, além de monitoramento constante. Os fatores macroambientais que influenciam a organização e seu âmbito de atuação – um setor, o mercado ou a sociedade – são muitos e estão mudando o tempo todo. 

Decisões estratégicas em processos específicos – como marketing, jurídico ou pesquisa & desenvolvimento, por exemplo – exigem também informação e conhecimento técnico específicos. A incerteza pode ser relativamente menor, mas ainda assim são muitas as variáveis influenciadoras e é alta a velocidade das transformações no ambiente.

E mesmo bem embasado por informação e conhecimento, o processo de tomada de decisão envolve selecionar e interpretar essas informações, o que pode ser altamente influenciado por vieses cognitivos, limitações e distorções relacionadas a modelos mentais e pressões do contexto mais imediato. O quadro a seguir, sem a pretensão de ser exaustivo, mostra algumas das muitas interferências ao processo decisório nos diferentes tipos de decisão em uma organização.

Todos os dias gestores tomam dezenas de decisões com base em informações limitadas, ou distorcidas por problemas de interpretação. Algumas dessas decisões têm alto potencial de impacto na atuação e nos resultados da organização, mas mesmo assim são tomadas com alto grau de subjetividade e sem considerar conhecimentos já disponíveis e acessíveis interna ou externamente. 

Em um mercado complexo e dinâmico, lidando com múltiplas variáveis, um processo de decisão que não considera as informações e conhecimentos já disponíveis e não conta com um processo bem estruturado pode ser chamado de ineficiente: está assumindo riscos desnecessários, e ignorando elementos capazes de reduzir a incerteza e aumentar as probabilidades de sucesso.

Ao analisar e interpretar dados e conhecimentos relevantes
do macroambiente, a Inteligência Estratégica habilita
as organizações a reduzir a incerteza
e aprimorar a efetividade das decisões

Imaginamos a tomada de decisão como um lance intuitivo ou fruto exclusivamente do talento do líder ou tomador de decisão. E de fato alguns executivos assumem esse comportamento, tomando decisões de forma pouco estruturada, individualista e sem visão periférica.

Mas a decisão na verdade começa muito antes, com a obtenção de informações e formação de juízo em torno do tema sobre o qual se decide. Esse processo de “instrução” da decisão até o momento de “bater o martelo” acontece em todo processo decisório, de forma consciente ou não, estruturada ou não. Quando inconsciente e não planejado, o processo fica sujeito a lacunas e distorções que podem comprometer a qualidade e o resultado da decisão. Por outro lado, se o processo decisório é conduzido de forma consciente, embasada e estruturada, são criadas as condições para uma decisão bem informada, que analisou cenários e impactos possíveis, e ponderou de forma embasada para uma escolha qualificada.

Inteligência Estratégica - Macroambiente, informações e decisões

Inteligência Estratégica: um processo para embasar decisões eficientes

Aos processos e práticas que visam proporcionar uma compreensão abrangente e continuada dos elementos-chave do ambiente externo à organização chamamos Inteligência Estratégica. Contempla monitorar e interpretar as variáveis relevantes do macroambiente, formular cenários, identificar tendências, definir futuros possíveis e desejáveis, antecipar oportunidades e ameaças, e a partir daí gerar informações qualificadas e insights acionáveis para fundamentar processos decisórios específicos nas várias dimensões da organização.⁽²⁾

Mas como a inteligência estratégica acontece na prática? O conceito é simples: os decisores responsáveis por decisões-chave da organização recebem relatórios com dados, análises e insights que ajudam a enriquecer a compreensão do contexto, e assim tomam decisões mais informadas, inteligentes e efetivas. Esses relatórios são os produtos de inteligência, gerados periodicamente ou sob demanda por analistas de inteligência, como parte do processo de inteligência.

Ao identificar, selecionar, analisar e interpretar dados e conhecimentos relevantes sobre diversos fatores ambientais dinâmicos – como movimentos do mercado, novas tecnologias, concorrência, mudanças sociais e demográficas – a Inteligência Estratégica habilita as organizações a reduzir a incerteza e aprimorar a efetividade dos mais variados tipos de decisões:

  • Definir estratégias de negócios: Provendo informações selecionadas e cenários futuros para o planejamento de curto e longo prazo e a adaptação a mudanças na sociedade ou em um setor específico. Organizações públicas ou privadas do setor de saúde, por exemplo, podem ajustar suas estratégias e prioridades a partir de análises de cenários que apontem as implicações do envelhecimento da população brasileira nas próximas décadas (tendências demográficas).
  • Otimizar operações: Monitorando a cadeia produtiva, a disponibilidade de insumos e os movimentos dos concorrentes para garantir a eficiência e a competitividade. Para ilustrar: área de suprimentos de uma indústria, pode se antecipar e buscar matérias-primas substitutas para um elemento que esteja em vias de ter sua aplicação restrita por questões ambientais nos países desenvolvidos (como aconteceu com o amianto).
  • Orientar decisões de marketing: Acompanhando as mudanças no comportamento do consumidor, o surgimento de novos concorrentes diretos e indiretos ou mesmo expressões típicas de um segmento de público que possam ser usadas em ações de comunicação dirigida. Relatórios de inteligência, nesse contexto, podem indicar a tendência de crescimento na adoção de determinada rede social, criando oportunidades de redirecionamento da estratégia de mídia de uma marca.
  • Impulsionar a inovação: Identificando tendências tecnológicas, conhecimentos emergentes e oportunidades para o desenvolvimento de novos produtos, serviços e modelos de negócio. Mais um exemplo: o levantamento de tecnologias promissoras junto a especialistas de um certo setor pode revelar a oportunidade de investir em pesquisa e desenvolvimento de soluções que possam se beneficiar rapidamente – e antes dos concorrentes – da tecnologia emergente quando ela estiver madura.
  • Gerenciar riscos e oportunidades: Antecipando ameaças e identificando novas áreas de crescimento e investimento. Um caso ilustrativo: uma empresa produtora de componentes elétricos para automóveis percebeu antes que os concorrentes a oportunidade de ampliar sua oferta às montadoras provendo também componentes para transmissão de dados, uma vez que relatórios de tendências apontavam para o rápido aumento das tecnologias digitais embarcadas nos veículos, na forma de câmeras, sensores, conectividade, entre outras.
  • Desenvolver competências e capacidades organizacionais: Identificando conhecimentos emergentes e competências necessárias para o futuro. Mapas de conhecimentos emergentes podem revelar temáticas de relevância estratégica para uma organização (como transformação digital ou aplicações de inteligência artificial, por exemplo), incentivando a criação de programas de formação ou de produção científica com foco em preparar equipes e processos para adotar novos conceitos, metodologias ou tecnologias relevantes.

Elementos-chave de um modelo de Inteligência Estratégica

Quaisquer que sejam as prioridades da sua organização, ela pode se beneficiar de um modelo de gestão e um processo sistematizado de inteligência que embase decisões-chave. Os elementos-chave de um modelo de inteligência estratégica estão representados na figura a seguir.

Elementos-chave de um modelo de Inteligência Estratégica

Em função da estratégia e dos resultados almejados pelo negócio ou organização, são selecionadas as decisões a serem embasadas pela inteligência. Definem-se objetivos e escopo, produtos a serem gerados e infraestrutura de apoio ao processo de planejar, monitorar, analisar e reportar. 

Adotar a Inteligência Estratégica requer um processo sistemático e contínuo. Estruturar e executar o processo de inteligência envolve as seguintes etapas:

  1. Direcionamento: a partir da estratégia organizacional e resultados almejados, selecionar as decisões-chave a serem subsidiadas pela inteligência e seu impacto nos indicadores do negócio. Definir o escopo e abrangência do processo de inteligência: foco macroambiental ou setorial, alcance local ou global, horizonte de curto ou longo prazo, entre outros critérios. Também faz parte do direcionamento a definição dos formatos para os serviços de inteligência (continuados, periódicos, sob demanda, entre outros) e o grau de acesso ou sigilo de cada tipo de informação trabalhada no âmbito da inteligência.
  2. Definição dos produtos e infraestrutura de inteligência: estabelecer qual o formato (ou formatos) dos produtos de inteligência a serem gerados, considerando os tipos de decisão a serem apoiados e as preferências dos decisores; definir plataformas de apoio ao processo de inteligência; e estabelecer estrutura, papéis e responsabilidades pelos serviços de inteligência.
  3. Planejamento: selecionar as fontes primárias e/ou secundárias a serem monitoradas, planejar o processo de coleta ou produção dos dados, informações e insights, visando atingir os objetivos definidos.
  4. Monitoramento: acompanhar, levantar (ou produzir) e selecionar informações e conhecimentos a partir das fontes de informação definidas.
  5. Análise: avaliação dos dados e informações coletadas, cruzamento de informações, interpretação de sinais, identificação de padrões, ameaças e oportunidades, e subsequente geração de insights para embasar as decisões.
  6. Reporte: disponibilização dos produtos de inteligência, conforme formatos e critérios definidos, para os decisores. 
  7. Avaliação dos resultados: acompanhar o uso e medir os resultados e impactos dos produtos de inteligência para a tomada de decisão e a efetividade destas no contexto do negócio, retroalimentando o processo de inteligência.

Desafios para a geração de resultados a partir da Inteligência Estratégica

Desenvolver a Inteligência Estratégica como uma capacidade organizacional sistemática e sustentável traz grandes benefícios para a organização, ao fornecer subsídios qualificados para decisões mais inteligentes e efetivas, sejam elas estratégicas ou técnicas. Em contrapartida, a maximização da geração de valor a partir de processos de inteligência exige abordar aspectos não triviais na gestão de uma empresa privada ou órgão público.

  • Escopo da Inteligência: organizações pouco acostumadas a olhar para fora e monitorar elementos do macroambiente podem ter dificuldade em definir um escopo claro para a inteligência. O risco está em estabelecer um foco excessivamente abrangente (em termos de horizonte de tempo ou alcance temático, por exemplo, gerando excesso de informação com pouca utilidade na tomada de decisão) ou muito estreito (perdendo a visão de movimentos relevantes no ambiente e beneficiando a poucos tipos de decisões).
  • Governança dos Processos Decisórios: a adoção de práticas de Inteligência Estratégica não pode ser vista como o único aprimoramento possível nos processos de tomada de decisão. Além de prover conhecimento, informação e insights valiosos a quem toma decisões, é fundamental garantir o balanceamento de responsabilidades nas decisões organizacionais. Decisões com impacto de longo prazo e que afetam a muitos processos e áreas da organização podem se beneficiar de um processo decisório mais participativo ou consultivo. O mesmo vale para decisões técnicas complexas ou em contextos de complexidade.
  • Dados e Tecnologia: muitas organizações buscam utilizar ferramentas de inteligência artificial (IA) para análise de dados ou mesmo geração de insights, e algumas delas dispõem de suas próprias bases de dados como possíveis fontes para extração de inteligência (business intelligence). São iniciativas que podem influenciar positivamente a qualidade da inteligência, porém o excesso de confiança nos dados — próprios ou de terceiros – pode mascarar fragilidades, e o excesso de confiança na IA pode levar a decisões equivocadas. É preciso ter claro que sempre haverá um grau de incerteza em qualquer decisão.
  • Compliance: políticas de confidencialidade e de proteção de dados são adotadas para regular o uso de dados e informações nas organizações de todo o mundo. No Brasil, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) trouxe recentemente novas referências para lidar com informações sensíveis. Da mesma forma, há códigos de ética e de conduta, elaborados por entidades representativas dos profissionais de inteligência, para nortear as atividades dos profissionais da área. Ao adotar a Inteligência Estratégica na sua organização, pode ser interessante elaborar uma política específica e códigos norteadores, de forma alinhada a outros mecanismos de compliance vigentes.
  • Indicadores e Continuidade: toda capacidade organizacional precisa ser desenvolvida do nível estratégico ao operacional, e percorre uma curva de aprendizado. Com a Inteligência Estratégica não é diferente: é preciso estabelecer uma visão de longo prazo, definir os indicadores de contribuição e elaborar um plano de evolução, um “roadmap” com as etapas a serem percorridas até atingir seu pleno potencial. Ao definir a visão de futuro e as etapas de evolução com os respectivos indicadores, é possível alinhar expectativas e garantir a continuidade necessária para que o processo se consolide e possa evoluir.

A Inteligência Estratégica não é apenas uma função ou processo, mas uma capacidade organizacional que faz toda a diferença para empresas e organizações que almejam gerar mais valor em um ambiente de intensas transformações e alta incerteza.

Ao gerar insights úteis para os decisores, a inteligência auxilia na interpretação dos múltiplos movimentos do ambiente externo de forma a reduzir a incerteza, antecipar desafios e oportunidades, desenvolver maior prontidão e adaptabilidade às mudanças no ambiente e no mercado, impulsionar a inovação e obter resultados superiores. Em poucas palavras: a Inteligência Estratégica contribui para gerar mais decisões inteligentes, e decisões mais inteligentes.

Referências:

⁽¹⁾ “Decisões Vencedoras”, J. E. Russo e P. J. H. Schoemaker, Campus 2002. “As melhores decisões são sempre difíceis”, T. Davenport e B. Manville, Campus 2012.

⁽²⁾ “O Milênio da Inteligência Competitiva”, J. P. Miller, Bookman 2002. “From Knowledge to Intelligence”, H. N. Rothberg e G. S. Erickson, Elsevier 2005. 

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