Os novos princípios da geração de valor na Economia do Conhecimento

Por Beto do Valle
Estamos vivendo a transição da era industrial para a Economia do Conhecimento. As evidências vão muito além da ascensão do “trabalhador do conhecimento” apontada por Peter Drucker já no final da década de 50. Novas dinâmicas de mercado, deslocamento de poder de decisão e do domínio da informação para o cidadão e o consumidor, reorganização das cadeias de suprimentos em novas configurações e redes organizacionais, modelos de negócios colaborativos, tudo isso são apenas alguns dos muitos fenômenos que representam o início de transformações profundas em direção à era do conhecimento, com imenso impacto nas organizações e nas práticas de gestão que conhecemos.

Um dos impactos que já se fazem sentir é bastante evidente e reconhecido, e não requer uma visão de futuro sofisticada: um estudo de 2015 mostra que o valor de mercado das empresas de sucesso vem cada vez menos de seus ativos tangíveis, e cada vez mais de intangíveis como reputação, capital intelectual, capacidade de gestão, competência nos relacionamentos, estratégia de marca, capacidade de inovação. Como mencionado em post anterior, a capacidade de gestão de intangíveis está se tornando a grande vantagem competitiva do século 21.

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Todos os intangíveis – marca, reputação, relacionamentos, processos, capacidade de inovação, entre outros – têm o conhecimento como elemento central ou habilitador, o que faz do capital intelectual “o intangível dos intangíveis” por excelência. Isso faz da gestão do conhecimento a chave para a diferenciação e a competitividade das organizações na Economia do Conhecimento.

O novo contexto exige uma mudança de paradigma nos negócios e na gestão

Mas simplesmente triplicar o orçamento da área de educação corporativa; ou oferecer um treinamento sobre gestão do conhecimento para todos os funcionários; distribuir incentivos à criatividade; ou mesmo criar um cargo de CKO – chief knowledge officer – em sua empresa, não são a resposta. É preciso entender que as implicações dessa mudança de paradigma são bem mais abrangentes e profundas do que o apressado senso comum pode indicar. Repetir velhos padrões – de pensamento, de estrutura, de gestão – em um novo contexto de grandes transformações pode ser um veneno para seu negócio.

Muito diferente disso: precisamos reinventar nossa forma de fazer negócios e gerenciar organizações na Economia do Conhecimento. Precisamos reinventar a disciplina da administração. A gestão de hoje ainda é fortemente baseada na gestão dos ativos tangíveis – que de fato foram o principal motor da economia durante muito tempo. Hoje, porém, os bens tangíveis estão cada vez mais comoditizados, enquanto a geração de valor e de diferenciação provém cada vez mais dos ativos intangíveis.

Novos princípios para a gestão de negócios e organizações

Certamente muito precisa evoluir na administração nesta nova era do conhecimento. Trata-se de mudanças profundas que levarão tempo para ser compreendidas, gerando novos conceitos e práticas de gestão articulados e aprimorados. Mas já é possível identificar alguns princípios que nos permitem começar a compreender e atuar de forma diferenciada nessa nova economia.

Princípio 1: O conhecimento é um ativo central para geração de valor nos negócios.

Até hoje, as organizações têm administrado aquilo que enxergam: equipamentos, instalações, fluxos financeiros e de insumos – além de significativos avanços na gestão do intangível “marca”. Porém existe um elemento que participa ativamente de tudo que uma organização faz: o conhecimento. Ele é parte indissociável de todo produto, processo ou decisão de um negócio, de todo relacionamento e de toda ação de uma organização. Mesmo bens tangíveis como equipamentos têm o conhecimento como um de seus ingredientes principais (empregado para projetá-los e construí-los) e exigem conhecimento especializado para serem operados.

Produtos e serviços de sucesso devem sua eficiência ou seu diferencial ao conhecimento organizacional que os gerou e os gerencia. Se usarmos a metáfora do organismo vivo para descrever uma organização, podemos entender que o fluxo de conhecimento participa do metabolismo do negócio e de tudo o que ele faz. Sem conhecimento simplesmente a organização não funciona, o negócio não existe. Ao contrário, o conhecimento é um ativo essencial para qualquer negócio. E como tal, deve ser gerenciado não como um processo de suporte, separado das práticas do negócio, mas como um elemento central de cada decisão e ação do negócio. Nesse contexto, a gestão do conhecimento não deve ser periférica, mas sim central na gestão do negócio — especialmente na Economia do Conhecimento.

Princípio 2: O conhecimento é um fenômeno não apenas individual, mas também organizacional e ecossistêmico.

É um grande erro acreditar que se está gerenciando conhecimento apenas pelo fato de estar gerenciando pessoas e investindo em seu desenvolvimento. Muitas organizações ainda acreditam que basta gerenciar pessoas e desenvolver suas competências para garantir resultados sustentáveis, porém inúmeros exemplos mostram que indivíduos competentes não são o suficiente para fazer uma organização competente. A capacidade de apreender e aplicar o conhecimento para gerar resultados é tanto dos indivíduos quanto das organizações, na forma de processos e práticas, da cultura organizacional, da forma de se relacionar com o mercado e se posicionar como uma marca. As relações transacionais de cada empresa trazem embutidas transações de conhecimento, fluxos invisíveis que influenciam positiva ou negativamente cada transação e a reputação das organizações envolvidas.

Da mesma forma, em um nível mais amplo, organizações competentes não são suficientes para que tenhamos um setor eficiente. Organizações funcionam em arranjos mais complexos, como cadeias produtivas, setores e mercados, formando “ecossistemas mercadológicos” que exigem muito mais que indivíduos detentores de conhecimento qualificado: exigem uma complexa combinação de regras, fluxos de informação, formas de organização e dinâmicas de atuação que não são dominadas por nenhum indivíduo isolado, mas sim configuram um conhecimento interorganizacional complexo. Tanto a gestão do conhecimento quanto a gestão de negócios devem compreender essa realidade e aprender a lidar com essa dinâmica de forma efetiva.

Princípio 3: O intercâmbio de intangíveis entre organizações é tão importante quanto as trocas transacionais de bens tangíveis

Nossas práticas de mercado sempre focaram as transações comerciais baseadas em fluxos tangíveis: trocas de produtos ou serviços por dinheiro. Porém o desempenho das organizações envolve também relacionamentos baseados em conhecimento e colaboração, nem sempre gerenciados como parte relevante do negócio. Na Economia do Conhecimento, crescentemente baseada em intangíveis, as trocas intangíveis e as não monetizadas – como a colaboração e os fluxos de informação e conhecimento – ainda que nem sempre evidentes têm peso cada vez maior.

Nas relações econômicas transacionais, as trocas de conhecimento diretas entre os agentes econômicos envolvidos influenciam a formatação, segmentação e customização de produtos e serviços, a estruturação de propostas comerciais, a formação de parcerias de confiança e muitos outros elementos da geração de valor. Além disso, as trocas não monetizadas também contam com uma participação decisiva dos fluxos de conhecimento: alianças formais ou informais, convênios, arranjos tecnológicos, acordos de colaboração, iniciativas de organização setorial, e mesmo ecossistemas econômicos (de uma rua de comércio especializado a um pólo industrial como o vale do silício). De relações informais a relacionamentos com públicos estratégicos, trata-se de relacionamentos baseados em conhecimento, que devem ser objeto da estratégia organizacional e de gestão ativa que permita ampliar a geração de valor.

Princípio 4: Conhecimento só gera valor quando aplicado.

O valor do conhecimento está na sua aplicação, não em sua disseminação. Por mais valioso que seja o conhecimento, nos seus mais diferentes formatos (conceitos, processos, metodologias etc.), seu valor é potencial, e só passa a ser real quando ele é empregado na prática do negócio, gerando resultados. Isso tem implicações profundas para a administração, e particularmente para a gestão do conhecimento, pois a maioria das abordagens e das práticas organizacionais que se ocupam do conhecimento se concentram em promover a disseminação e a absorção de conhecimentos pelos indivíduos, mas não em habilitar e estimular a aplicação desse conhecimento pela organização.

Mesmo as práticas mais modernas de gestão do conhecimento se concentram em promover o intercâmbio de conhecimentos tácitos e explícitos, o que é fundamental, mas não suficiente. Enquanto não acontece a aplicação do conhecimento no negócio, todo esse esforço não concretiza seu valor.

Repete-se assim o que acontece com a educação corporativa há décadas: as empresas investem esforços em ações educacionais distantes da realidade de trabalho, e muito pouco do conhecimento gerado chega a ser aplicado nas práticas do negócio; ou investem esforços na captura e disseminação de conhecimento relevante achando que isso é suficiente, porém não adotam práticas que estimulem e facilitem a aplicação prática desse conhecimento nos processos de negócio. Somente a aproximação, ou mesmo a fusão, entre a aprendizagem e a aplicação do conhecimento – ou entre a gestão do conhecimento e a gestão do negócio – será capaz de promover um salto na geração de resultados para o negócio a partir do conhecimento.

Princípio 5: Conhecimento é um elemento-chave da cidadania.

Um dos principais pensadores do “social learning”, Etienne Wenger, cunhou a expressão “learning citizenship” (cidadania do conhecimento, numa tradução livre) para se referir à maneira como exercemos nossa influência e contribuição nos espaços de aprendizagem dos quais participamos.

Enquanto o exercício da cidadania envolve preocupar-se não somente consigo mesmo, mas com a coletividade, com o entorno, com o meio ambiente e com as gerações futuras, “cidadania do conhecimento” pressupõe uma atitude proativa e “sustentável” em relação ao conhecimento. Implica em não apenas aprender como indivíduo, mas também contribuir com a aprendizagem organizacional e social; compartilhar proativamente conhecimentos que possam ser úteis em outros contextos; adotar classificações amigáveis de conteúdos para facilitar o acesso de outros a conhecimentos relevantes; para ficar só em alguns exemplos genéricos.

Nessa nova economia baseada no conhecimento, um bem intangível dotado de “não-concorrência” ou “não-escassez” (o mesmo conhecimento pode ser compartilhado e reaplicado em múltiplos contextos sem perder seu valor, ao contrário dos bens tangíveis), abre-se um grande potencial transformador advindo do uso “responsável” do conhecimento, beneficiando tanto as empresas e organizações quanto a sociedade como um todo. As organizações devem entender a nova realidade da Economia do Conhecimento e cada vez mais adotar a cidadania do conhecimento como um valor a ser cultivado e praticado. Organizações públicas e não-governamentais, por outro lado, devem entender que a gestão do conhecimento é um fator-chave não apenas em negócios com fins lucrativos, mas também para iniciativas de caráter social e público.

Uma nova teoria da administração na era do conhecimento?

Esses princípios são apenas o modesto início de uma discussão mais profunda, não apenas sobre os conceitos e práticas de gestão do conhecimento, mas também sobre os fundamentos da própria teoria da administração na Economia do Conhecimento. Uma discussão relevante e necessária para construir as organizações e a sociedade do século 21.

 

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